sábado, 27 de março de 2010

Da maternidade

“No final das contas, matar minha mãe foi bem fácil. A demência, conforme desponta, tem o poder de revelar o âmago da pessoa afetada. O âmago de mamãe era podre como a água fétida de um vaso de flores mortas”.

Assim, leve, começa Quase Noite, de Alice Sebold. Li o primeiro capítulo, mas dele não passei. Fiquei pensando nisso e depois assisti à condenação de Alexandre Nardoni pelo assassinato da filha.

Filha morta pelo pai, de acordo com a Justiça, na vida real. Mãe morta pela filha, na ficção.

(...)

Minha mãe passou uma semana inteira sem falar comigo.
Assim, sem nem me explicar o motivo. Eu o adivinho, mas não me arrependo nem um pouco, muito menos acumulo alguma culpa por conta dele.

Não cheguei a me sentir mal com o silêncio, mas sei que deveria. Mãe como sou, tenho dimensão da intensidade do relacionamento que existe (ou deveria haver) entre nós, mas por mais que eu tente e queira, nunca chega a isso. Para mim, ela é só uma estranha. Uma estranha com quem eu sempre tento ser simpática.

Uma estranha que retribui a simpatia, mas uma estranha.

Algumas vezes eu gostaria de entender isso, não tanto quanto gostaria de ter uma mãe para mim, uma daquelas estilo inteira, pacote completo, o que tento com o Totonho (mas também não sei se dará certo). Cruel, você que me está lendo, deve pensar. Sim, não nego, em nenhuma outra situação me sinto tão tirana como nessa (mas não sou ruim ao ponto de dizer isso para ela, e isso deve somar alguns pontos). Sei que me sinto mal quando esqueço de fingir que não me aflijo com isso. Por mim e por minha mãe. Dói.

De vez em quando eu gostaria de poder sentar com ela, contar as aflições do trabalho, aber como ela se sente, pedir um conselho sobre alguma possibilidade de um relacionamento, mostrar a música que descobri e é da época dela, o livro que ela poderia gostar... Procurando bem, da mãe que quis para mim encontro inteiro apenas um episódio. Ela, que deixou para o meu pai a tarefa de contar que existia menstruação, que nunca soube pela minha boca de um namorado, que não me aconselhou a nada que não fosse absolutamente casual, que me pediu para não ir para a universidade... Ela foi a primeira pessoa da família para quem falei da gravidez, por telefone e por extrema necessidade, mas foi a primeira a manifestar apoio. Não foi pouco, ainda que inesperado.

Eu sei que ela não é uma má pessoa, pelo contrário, sei que é boa - e generosa, sim, Paulinha, às vezes admito.Só não é a mãe que eu queria ter, a que eu um dia pretendo ser. Para mim não, mas quem sabe meus irmãos pensem diferente e o erro esteja nessa pecinha aqui. Não sei. Hoje eu queria saber o que é uma relação ideal entre mãe e filha, só isso. Cansei de tentar reverter o quadro e imaginar.

P.s.: ela voltou a falar comigo e eu não pretendo matá-la. Só para que fique claro.

7 comentários:

  1. Ainda bem que você não pretende matá-la, Gracinilda. hahaha
    Eu tenho um bom relacionamento com a minha mãe, não posso reclamar. Somos bem unidas, mas brigamos muito também.
    Eu prefiro não contar tudo para ela, tem coisas que eu sei que, por mais que ela tentasse,não entenderia...No geral, somos mãe e filha de comercial de margarina. E eu gosto disso. Também agradeço por ser assim. Contudo, o relacionamento que você tem com o seu pai eu não tenho, e sei que nunca vou ter. E, nesse caso (pai e filha), eu penso que nem vc: "Hoje eu queria saber o que é uma relação ideal entre mãe e filha, só isso. Cansei de tentar reverter o quadro e imaginar."

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  2. Pensando em vc e na Paula, com suas respectivas mães, me senti tão perdida. Mas, fui egoísta, Lari.

    Não tinha pensado que nem todo mundo tem um relacionamento com o pai como eu tenho com o meu. E te digo: é bom, muito bom, tanto quanto o seu com a sua mãe, imagino.

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  3. Olha Graci, tmbm não tenho aqueelee relacionamento com a minha mãe, troco confidências com o meu pai.Mas sabe que estou aprendendo a lidar com isso, dessa forma não me assuto mais com os bicos e atitudes estranhas da minha mãe.hehehehe!

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  4. Graci... sabe o que estou aprendendo, não existe nada ideal! Não existe amor ideal, pais ideais ou amigos ideais. O que é preciso é aprender a tolerar o que não gosta em virtude de aproveitar o que te agrada na pessoa.

    Meu relacionamento com minha mãe também não é ideal. Brigo com ela pelo menos uma vez por dia. Mas grande parte é culpa minha, somos muito parecidas, só que ela aprendeu melhor do que eu a não esquentar tanto a cabeça. Não conto nada para ela, apenas poucas coisas sobre o dia a dia. Mas não sou de contar nada para ninguém. Ela me conhece, então não fica perguntando. Não sou de dar presente, nem surpreender, nem abraçar.

    Ela me irrita quando se preocupa demais. Com horário, com trabalho e minha felicidade. A melhor coisa de se ter mãe, é quando você fica doente. Nada como ter alguém se preocupando com você.

    Meu relacionamento com meu pai também é tranquilo, nem um deles é de comercial de margarina, como diz a Lari. Mas não trocaria nenhum!!!

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  5. Bom, eu ia justamente dizer que não existe relacionamento ideal ou perfeito, mas a Ana se antecipou. Rsrs. Quanto à sua mãe, Graci, posso dizer com conhecimento de causa: tem o coração do tamanho do mundo. E é claro que uma grande parte dele é seu, apesar da distância entre vocês. Como te disse da última vez que conversamos a respeito, talvez você não tenha percebido que o seu estresse e a sua intolerância estejam causando essa distância. Sua mãe é diferente, sim, de você, flor, mas quem te amoleceu? Teu pai? Não foi, porque lembro bem da Graci do primeiro ano da faculdade. Apesar da educação, da simpatia e do carisma, era fria. Não abraçava e preferia amar as personagens dos livros.
    Talvez, fechada na sua ficção diária, minha flor, você não tenha deixado espaço para sua mãe interferir na sua história. Talvez ela quisesse, mas não sabe como.
    Eu amo a minha mãe e meu pai. Não poderia ter melhores. Mas, sim, eu me decepciono muito com eles. Especialmente com a minha mãe, Gra, porque é dela quem espero mais. Mas sei que também a decepciono e não é justo querer que ela faça da vida dela o que eu quero. Assim como talvez não seja justo você exigir que a sua mãe deixe de ser ela mesma no próprio território. O galinheiro é dela, ela cisca como quer. Lembra disso. Amo você. Sempre, incondicionalmente.

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  6. Verdade, pessoas.

    Eu tinha me esquecido, Paulinha, que eu nunca fui muito de beijos e abraços. Mas, saiba você, que a culpa por essa pessoa ter se tornado assim é exclusivamente sua. E eu fico muito grata por isso.

    O desafio é aceitar o antigo. Mas eu tento.
    Eu de lá e ela de cá. Quando eu sair do galinheiro dela, melhora. Acho que essa é uma questão bem pontual e o motivo para eu querer tanto sair de casa de novo: para sentir felicidade ao voltar.

    Brigada, meninas.
    Também te amo, incondicionalmente, Paulinha.

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  7. O seu texto me faz pensar em tanta coisa, Graci.
    Acho que esse período do mês tá me consumindo.
    Mas, sabe, suas opiniões e ações me agradam. Gosto de ver o empenho em tentar proporcionar ao seu pequeno o que você sentiu falta.
    Sortudo esse menino! :)

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