domingo, 18 de abril de 2010

Cantada amiga, amiga...




Já passei em frente à obra para ser elogiada. E lanço mão de uma sinceridade burra ao admitir isso. Mais: não fui sozinha, mas façamos ressalvas, éramos garotas com uma depressão lascada, um complexo de mulher feia que não tinha quem tirasse e um senso de humor inigualável para classificar os elogios. Verdade seja dita, “ô lá em casa” foi a frase símbolo de uma época, aquela em que as intervenções “galantes” eram até que divertidas.

Acontece que, hoje, pensando bem, isso não tem graça nem na mais baixa auto-estima, porque de Rita Cadillac eu não tenho a bunda nem a causa. Tenho é vontade de olhar para trás e responder bonito, assim, “na sua casa para quê, meu amigo? Acha que carrega toda essa areia que você mesmo colocou no meio, no seu caminhãozinho?”. Bem grossa, eles pedem. Infelizmente ou não, sou polida o suficiente para ignorar e seguir em frente. Muitas vezes com a cabeça baixa e um ar de beata, só para não ter de ouvir. Não sem raiva.

Se o Brasil é o País dos homens que se acham no direito de elogiar sem a menor abertura, Santa Catarina deve ser o berço do movimento. Não tem obra que não atrase neste Estado, não há buraco na rua que a Casan (leia-se Sanepar para quem é do Paraná) tampe em menos de uma semana. Tudo para se uma mulher passa, todo quanto é tipo de elogio se escuta. Dos mais leves aos mais ousados.
Não é à toa que a graça de proibir o uso das pulseirinhas coloridas, as famosas “pulseirinhas do sexo”, começou no município de Penha, litoral do povo de barriga verde. Se uma mulher não pode nem mesmo se vestir formalmente e passar incólume pela rua, imagina só se usa o tal adereço...

Mas, sinceramente, diga lá, a culpa dos estupros registrados em algumas cidades brasileiras foi o uso das pulseirinhas, como estava estampado em grandes jornais de repercussão nacional? Outros estupros e violações da liberdade individual das mulheres, certamente, aconteceram porque elas incitaram, é possível concluir com essa lógica.

Eu não posso crer que uma mulher que usa as pulseiras está se sujeitando à violações de qualquer ordem em seu corpo. Creio que ela está exercendo um direito seu e único, o da escolha, assim como opta pelo azul ou pelo vermelho, pela calça jeans ou pelo vestido, pelo esmalte carmin ou pelo renda. Nos significados atribuídos às pulseiras não está dito que qualquer um pode se aproximar, tocar a pele ou cabelo (como se nota sem espanto algum em lugares públicos simplesmente pelo fato de mulheres serem mulheres), se apoderar do adereço e, por isso, ter algum poder sobre as vontades de quem as usa. Assim como a vereadora Renata Bueno, em carta que tive acesso pela Boca Santa, acredito ser primário condenar um adereço quando o que desencadeia as reações exacerbadas, na verdade, é a visão que se tem do que a mulher pode ou não. Vamos proibir minissaias, decotes, salto alto, batom vermelho e o vestido rosa em pernas grossas de Geysi Arruda, então. Usar não pode. É feio... Olha só o que os homens podem pensar, ou pior, gritar para a toda rua ouvir ou fazer, então, loucos de desejo pela incitação implícita (nem tanto em alguns casos, mas, controlem-se, são seres racionais passíveis de educação, ao menos).

Pode ser exagero - e sei que isso é o que muitos acharão - mas nisso a nossa cultura não se diferencia tanto da muçulmana das burcas. A diferença é que a nossa burca é andar de olhos baixos, ouvindo gracinhas que, muitas vezes, só geram asco. Não que a maioria dos homens pactue com isso, não estou generalizando, assim como não digo que todo pedreiro ou todos aqueles que consertam os paralelepípedos das cidades catarinenses o fazem, até mesmo porque não há classe social em que possam ser enquadrados, nem categoria trabalhista ou qualquer outro nicho. Não há generalização.

Há aquela parcela incômoda, que em qualquer lugar e situação, se acha no direito de encarnar o macho alfa e fazer questão que a gente ouça. Infelizmente.

P.s.: como não dá para esperar aqui o comportamento de europeus, apesar da ascendência, vale a pena levar na esportiva quando o “elogio” é, ao menos, engraçado. Se não deu para escapar do “ô paixão”, do “ô lá em casa” ou do “se verde está assim imagina só quando madurar”, sorria e testemunhe, aqui.
Vale o bom humor, a saúde... “E que saúde, hein, morena?”.

6 comentários:

  1. Mas é uma Gracinha meeeesmo... hahahaha
    Gra, realmente, tira do sério dizer que a culpa de sermos pedreiradas é nossa. 'Ah, mas vc viu o tamanho do shortinho dela? Tava pedindo...' Tava pedindo o que, meu amigo?
    Não, não estava necessariamente pedindo nada. Ela gosta de usar shortinhos curtos e se vc quiser olhar, que o faça. E nada mais. Porque o decote que ela usa ou o comprimento das suas saias não te dá o direito de achar que pode falar o que vier a cabeça - indiferente de qual seja.

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  2. Pois é, questão cultural é algo muitooooooooo complicado mesmo!
    Não podemos esperar nada de um povo que cultua a Bunda...
    mais é o meu Brasil!
    hahahahahhaa

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  3. Lari.... respondendo sua pergunta do texto anterior..... talvez ele esteja no oeste do PR....

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  4. Hahaha, e viva as pedreiragens.
    Detesto passar em construção sozinha. Acompanhada é mais divertido, dá para rir, zoar um tanto. Sozinha, se você ri, já acham que é insinuação.

    E, não são só os brasileiro que gostam de mexer com as moçoilas. Argentinos (né Paula?) são tão rústicos quanto os nossos homens daqui. Talvez, menos, bem menos rústicos..."Las tres Marias", um portenho nos disse. hahaha

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  5. Apesar da seriedade do assunto, dei algumas gargalhadas com seu texto, Graci.
    Suas comparações e citações me convenceram.
    Pedreiragem para fazer amigos. É isso aí. :)

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